República no Brasil
A questão escravista no Brasil imperial
O longo governo de D. Pedro II
O governo de D. Pedro II, de 1840 a 1889, foi o mais longo da história do Brasil independente. Durante cerca de trinta anos, o imperador reinou numa situação de relativa estabilidade política, proporcionada principalmente pelo desenvolvimento econômico trazido pelas vendas de café no exterior.
O crescimento da economia brasileira durante o Segundo Reinado manifestou-se na construção das primeiras ferrovias no país,na instalação de indústrias de bens de consumo, como tecidos de algodão,concentradas principalmente na Bahia, em Minas Gerais e na cidade do Rio de Janeiro, e no aumento da população urbana.
A crise do regime monárquico iniciou na década de 1870 e se intensificou nos anos 1880. Para entendê-la é preciso, inicialmente, conhecer alguns aspectos da questão escravista no Brasil, que resultou no fim da escravidão no país, com a aprovação da Lei Áurea, em 1888.
A questão escravista
O trabalho escravo acompanhou os quatro séculos de formação econômica, política e social do Brasil. A escravização dos africanos contribuiu para a formação de grandes fortunas, tanto nas mãos da aristocracia rural brasileira quanto, principalmente, nas mãos de traficantes e dos governos europeus. A sua extinção só ocorreu no final do século XIX, quando todos os países da América já o haviam substituído pelo trabalho livre.
A abolição do tráfico negreiro
O primeiro golpe contra a escravidão ocorreu em 1850, coma proibição do tráfico negreiro, decretada pela Lei Eusébio de Queiroz.A partir do ano seguinte, intensificou-se a venda de escravos do Norte, Sul e principalmente do Nordeste para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, as principais áreas cafeeiras em expansão. Calcula-se que entre 100 e 200 mil escravos tenham sido transferidos para o Sudeste.
A partir da década de 1860, o movimento pela abolição ganhou força no país, principalmente depois da Guerra do Paraguai (1865-1870), quando milhares de negros foram libertados das fazendas para combater nas fileiras do Exército brasileiro.
No entanto, as elites brasileiras resistiam à idéia da abolição. Mesmo no oeste paulista, onde o solo fértil e a riqueza do café favoreciam o emprego do trabalho livre, os cafeicultores queriam estender ao máximo a escravidão no país, temendo a queda da produção agrícola.
Abolição lenta e gradual
As elites agrárias temiam que a campanha abolicionista gerasse uma revolta generalizada dos escravos, como ocorreu no Haiti, em 1793. Nessa pequena ilha do Caribe, colonizada pela França, escravos e libertos organizaram uma rebelião que resultou na independência da ilha, no fim da escravidão e na expulsão da elite colonial do poder. Por outro lado, os proprietários alegavam que o fim da escravidão os levaria à ruína, pois perderiam um patrimônio em que tinham investido muito dinheiro.
A grande influência dos fazendeiros na Câmara, no Senado e no governo monárquico decidiu os rumos da abolição no Brasil. Ela seria lenta, gradual e segura, ou seja, sem riscos para os privilégios dos grupos dominantes.
Acompanhe a seguir os passos da legislação abolicionista no Brasil:
- Lei Rio Branco (Lei do Ventre Livre) – 1871 – declarava livres os filhos de mulher escrava nascidos a partir daquela data. As crianças livres ficariam com suas mães até os 8 anos de idade. Depois disso, os senhores podiam optar entre receber uma indenização do Estado ou fazer com que os libertos trabalhassem para eles até completarem 21 anos. O projeto foi aprovado pela Câmara mesmo sem o apoio da maior parte dos deputados representantes dos fazendeiros do Sudoeste.
- Lei Saraiva-Cotegipe (Lei dos Sexagenários) – 1885 – libertava os escravos com mais de 65 anos e estabelecia normas para uma abolição gradual mediante indenização. Mesmo os proprietários que inicialmente se colocaram contra a lei, depois de aprovada perceberam as vantagens que ela lhes trazia. Isso porque a expectativa de vida média de um escravo não chegava aos 40 anos, e os poucos que atingiam os 60 chegavam lá quase improdutivos, tornando- se um “peso” para seus senhores.
As duas leis, embora muito tímidas, ajudaram a impulsionar a campanha abolicionista no Brasil.
Cresce a campanha abolicionista
Por volta de 1885, a campanha abolicionista tornou-se mais intensa. Associações e clubes voltavam-se contra a escravidão, fazendo propaganda aberta e levantando fundos para a compra de cartas de alforria. Intelectuais, jornalistas, advogados, profissionais liberais e mesmo fazendeiros aderiram à causa abolicionista. Os jornais defendiam abertamente a causa que cada dia ganhava mais adeptos.
As fugas de escravos tornavam-se cada dia mais frequentes. Ativistas, entre eles filhos da elite cafeeira, organizavam grupos para ajudarem escravos a fugirem das fazendas, conduzindo-os a lugares seguros,como por exemplo a cidade de Santos. Nesta cidade do litoral paulista, escravos fugidos formaram o quilombo do Jabaquara, que chegou a reuni cerca de 10 mil moradores.
Nas fazendas do interior paulista, onde as experiências com o trabalho livre começaram na década de 1840, já havia mais imigrantes nas lavouras do que cativos. Muitos proprietários, sem condições de impedir as fugas, tomaram a iniciativa de libertar seus escravos em troca da sua permanência na lavoura por mais alguns anos.
Diante dessa situação, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, que substituía o pai D. Pedro II no trono, assinou a Lei Áurea, abolindo a escravidão no Brasil.
Os escravos depois da abolição
A direção que os ex-escravos tomaram depois da abolição variou dependendo das condições econômicas de cada região.Grande parte continuou trabalhando para seus senhores, numa situação de dependência semelhante à da época da escravidão, em especial no Nordeste. No Vale do Paraíba, muitos libertos estabeleceram regime de parceria com seus antigos donos, tornaram-se pequenos sitiantes ou ainda tocadores de gado.
As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro receberam grande número de escravos libertos que para lá se dirigiram em busca de trabalho. Em São Paulo, os ex-escravos, a maior parte sem qualificação profissional e tendo que concorrer com os trabalhadores imigrantes foram obrigados a aceitar os trabalhadores mais pesados e mal remunerados. No Rio de Janeiro, onde a presença do imigrante era menor, os ex-escravos tiveram mais chances de se empregar nas indústrias. Na capital também, ao contrário do que ocorria em São Paulo, muitos donos de oficinas artesanais e de manufaturas já utilizavam o trabalhador negro antes da abolição.
Um golpe na monarquia
A abolição não provocou o colapso da produção agrícola,como alardeavam muitos cafeicultores. No entanto, os setores agrários mais dependentes do trabalho escravo, em particular os fazendeiros de café do Vale do Paraíba, sentiram-se traídos pelo governo, que acabou com a escravidão sem um programa de indenização dos ex-proprietários. Os fazendeiros do oeste paulista, que já vinham empregando em suas lavouras imigrantes europeus, nunca tiveram laços fortes com a monarquia. Para eles, o fim da monarquia era a oportunidade de assumir os comando da política brasileira, tradicionalmente conduzida pelos proprietários de terras do Nordeste e do Vale do Paraíba fluminense.
Sem os proprietários de escravos tradicionais, a monarquia perdeu uma importante força de sustentação política.
A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL
O movimento republicano
A idéia de proclamar uma república no Brasil esteve presente desde a época colonial. No entanto apenas na segunda metade do século XIX, com a expansão da lavoura cafeeira e a formação de uma rica burguesia agrária no Sudeste, o projeto republicano conquistou o apoio de um setor social de peso na política nacional.
Os cafeicultores do oeste paulista passaram a defender uma nova organização política para o Brasil, que assegurasse mais poder para as províncias e, na prática, um maior controle dessa camada social sobre as instituições do Estado. A defesa de um poder maior para as províncias era o ponto central do programa do Partido Republicano Paulista (PRP), fundado em 1873 e formado basicamente por representantes dos cafeicultores da província de São Paulo.
Nos setores urbanos, a república tinha o apoio de profissionais liberais e das alas mais jovens do Exército, que combatiam a extrema centralização do regime monárquico.
Havia grandes divergências entre os republicanos. O grupo dominante, liderado pelo jornalista Quintino Bocaiúva, pregava que a passagem da monarquia para a república deveria acontecer sem agitações sociais, que poderiam ameaçar a ordem estabelecida. Outros, como o advogado Silva Jardim, criticavam as propostas conservadoras da maioria dos republicanos e defendiam uma ampla mobilização popular para derrubar a monarquia e instaurar a república.
A propaganda republicana conseguiu poucos adeptos até os anos 1880. A decisão expressiva à república só aconteceu depois da abolição da escravatura, em maio de 1888, quando muitos ex-donos de escravos, insatisfeitos com a abolição, abraçaram a república em protesto contra a aprovação da Lei Áurea.
A questão militar
Durante o governo de D. Pedro II, o Exército ocupou uma posição marginal na política brasileira. Os baixos soldos, a rígida disciplina da corporação e lentidão nas promoções desencorajavam os filhos das elites a seguir carreira militar.
Após a Guerra do Paraguai, o Exército saiu fortalecido como corporação. Vitoriosos no conflito, muitos oficiais queriam desempenhar um papel central na vida política, além do de defensor das instituições e da soberania nacional, atribuições impostas pela Constituição.
Na década de 1880, houve uma série de atritos entre o governo e oficiais do Exército motivados pelo envolvimento dos militares em questões da política nacional.
Os constantes enfrentamentos desse período desgastaram a relação entre o Exército e o governo e enfraqueceram a monarquia. A cada dia ficava mais evidente o projeto dos militares de assumir um novo papel na cena política do Brasil.
O golpe de 15 de novembro
A crise entre os militares e o governo se agravou em 1889. Reuniões conspirativas de oficiais militares com republicanos civis passaram a acontecer com frequência. Os líderes desse movimento, o milita Benjamin Constant e os civis Aristides Lobo, Quintino Bocaiúva e Lopes Trovão, habilmente encontraram a saída para acelerar a queda do Antigo Regime. O plano era convencer o marechal Deodoro da Fonseca, amigo pessoal do imperador e uma figura respeitada no Exército, a chefiar o movimento pela queda do governo.
Na manhã de 15 de novembro de 1889, Deodoro da Fonseca marchou com as tropas para o Ministério da Guerra, onde se encontrava o primeiro ministro do governo de D. Pedro, o Visconde de Ouro Preto. Sob pressão dos militares, o governo monárquico renunciou.
O dia 15 de novembro, então, resultou de uma ação quase isolada do Exército, apoiada por um pequeno grupo de republicanos civis. Para a imensa maioria da população, alheia aos debates políticos, a república foi uma grande surpresa.
A REPÚBLICA : DOS MILITARES ÀS OLIGARQUIAS
A República da Espada ( 1889-1894)
O papel cumprido pelo Exército na proclamação da República assegurou aos militares a chefia do novo governo. Essa fase da República brasileira, liderada por presidentes fardados, é conhecida como República da Espada.
Um importante acontecimento desse período foi a elaboração da primeira Constituição republicana. A nova lei foi aprovada por uma Assembleia Constituinte, composta em sua maioria por representantes dos senhores de terra e militares.
A primeira Constituição republicana
A nova Constituição, promulgada em fevereiro de 1891, consagrou o ideal federativo, como desejavam as oligarquias estaduais.
- O Brasil passou a ser uma República presidencialista, organizada em três poderes : Legislativo, Executivo e Judiciário. Poder Executivo seria exercido pelo presidente da República, eleito para um mandato de quatro anos. O poder Legislativo, por sua vez, continuava composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado;
- Estabeleceu-se o voto direto e universal para os cidadãos maiores de 21 anos e alfabetizados. Os mendigos e os praças não podiam votar. A Constituição não fazia menção às mulheres, o que, implicitamente, as excluía do direito ao voto. A lei também determinava que o voto deveria ser secreto, como prevê a Constituição em vigor no Brasil de hoje;
- As antigas províncias transformaram-se em estados, organizados numa República federativa. Isso significa que os estados adquiriram relativa autonomia, que lhes permitia tomar algumas decisões sem consultar o governo federal. Por exemplo, de acordo com a nova lei, os estados poderiam contrair empréstimos no exterior, instituir impostos sobre suas exportações e organizar uma força militar própria;
- A Igreja separou-se do Estado; em outras palavras, deixou-se de existir uma religião oficial no Brasil. Instituiu-se o casamento civil e liberdade de culto para todas as crenças religiosas;
- Determinou-se o caráter leigo do ensino ministrado nos estabelecimentos públicos e extinguiu-se a pena de morte.
De acordo com a nova lei, o Brasil passou a se chamar República dos Estados Unidos do Brasil. O ideal federativo também estava presente no nome do nosso país.
Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente do Brasil.
A consolidação do novo regime
O primeiro presidente do Brasil, o marechal Deodoro da Fonseca, foi eleito pelo Congresso. O curto governo de Deodoro foi marcado pelos embates entre a política centralizadora do presidente e o federalismo do Congresso, porta-voz dos cafeicultores paulistas. O choque entre o governo e o Congresso levou à renúncia de Deodoro, em novembro de 1891. Em seu lugar, assumiu o vice presidente, o marechal Floriano Peixoto.
Floriano governou apoiado numa aliança com o PRP, controlado pelos cafeicultores paulistas. O apoio da oligarquia cafeeira foi decisivo para o enfrentamento das rebeliões que ameaçaram a República no período: a Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul, e a Revolta da Armada, no Rio de Janeiro.
Reprimidas as revoltas, os militares se afastaram da cena política e os civis se preparam para tomar o poder. O “trono” agora era dos cafeicultores.
A República das Oligarquias (1894-1930)
O governo do paulista Prudente de Moraes (1894-1898), um representante dos cafeicultores, inaugurou a chamada República das Oligarquias. Oligarquia é um termo de origem grega que significa governo exercido por poucas pessoas, pertencentes a um grupo social dominante ou a uma família poderosa. O termo é então bastante apropriado para nomear o Brasil do início de República. Nesse período, o poder esteve nas mãos das grandes famílias latifundiárias, filiadas ao Partido Republicano de cada estado, sob a direção dos cafeicultores paulistas.
A fórmula para o controle seguro do poder, por parte das oligarquias, foi encontrada pelo sucessor de Prudente de Moraes, o também paulista Campos Sales, criador do arranjo político conhecido como política dos governadores.
A política dos governadores
O objetivo desse arranjo era evitar os choques entre os governos estaduais e a União e garantir o poder para os grupos mais fortes no interior de cada estado. Veja como funcionava.
1- Os grupos dominantes em cada estado apoiariam o governo central;
2-Em troca, o governo central não reconheceria, nos estados, a vitória dos candidatos à Câmara ligados à oposição;
3- Para esse acordo funcionar,era preciso que a situação vencesse sempre nos estados. A saída foi criar a Comissão de Verificação dos Poderes, controlada pelo Executivo federal. A comissão, encarregada de examinar as atas das eleições, fazia a “degola” dos candidatos da oposição que tivessem vencido.
A política dos governadores fortaleceu o poder local, exercido pelos chamados coronéis. Em geral grandes proprietários de terras, os coronéis controlavam os eleitores em seu município de influência. Como o voto era aberto, a maioria dos eleitores ficava sujeita às pressões exercidas por esses chefes políticos locais. Em troca de favores, como um emprego na fazenda ou na cidade, roupas ou materiais de construção para construir uma casa, os eleitores acabavam votando nos candidatos indicados pelos coronéis.
A política do café com leite
Os coronéis eram donos do poder em suas terras, mas a política em cada estado era controlada pelas oligarquias mais influentes. Em geral dependia delas a concretização de muitos favores que os coronéis prometiam aos seus eleitores, como a construção de um hospital ou de uma escola.
Os cargos políticos federais mais importantes, como o de presidente da República e os de ministro da Fazenda e da Justiça, eram dominados por representantes das oligarquias paulista, mineira e gaúcha, demonstrando a força que tinham esses estados durante a Primeira República. Particularmente São Paulo e Minas Gerais, economicamente mais poderosos, conseguiam impor uma política de favorecimento dos seus interesses. A hegemonia de paulistas e mineiros na Presidência da República ficou conhecida como política café com leite.
A guerra de Canudos
Uma epopéia no sertão da Bahia
Em 2002, foi comemorado o centenário da publicação de Os sertões, uma das principais obras da literatura brasileira. Escrito por Euclides da Cunha, Os sertões é a narrativa mais conhecida da guerra de Canudos, um conflito travado no sertão da Bahia entre o Exército republicano e a comunidade religiosa do beato Antônio Conselheiro.
O livro não pode ser lido como um retrato fiel dos acontecimentos, mas como uma obra que contém tanto elementos de ficção como dados reais. O grande valor de Os sertões é ter conseguido preservar na nossa memória a epopéia de Antônio Conselheiro e seu povo.
Antônio Conselheiro : um peregrino do sertão
Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu provavelmente em 1830, em Quixeramobim , no Ceará. Na infância, teve aulas de português, latim e francês, estudos necessários para a formação de padre.
Já adulto, Antônio trabalhou como comerciante, professor, advogado dos pobres e empregado de lojas comerciais.
Por volta de 1871, após dois casamentos desfeitos e vários empregados, Antônio Maciel iniciou suas peregrinações pelo sertão. Trajando um camisolão azul, usando barbas e cabelos longos, percorreu o interior de Pernambuco, da Bahia e de Sergipe pregando mensagens religiosas e aconselhando os sertanejos. Seu trabalho não parava aí. Antônio construía e reformava igrejas e cemitérios, coordenava tarefas coletivas de construção de casas, açudes e colheitas agrícolas.
A influência do pregador crescia a cada dia. Por onde andava, ia arregimentando seguidores, que o acompanhavam pelo sertão. O beato peregrino tornou-se Antônio Conselheiro.
Antônio Conselheiro.
Igreja x Religiosidade popular
Quando Antônio Conselheiro iniciou suas pregações pelo sertão, na segunda metade do século XIX, o catolicismo era a religião oficial do Brasil. Com o apoio do Estado, muitos missionários estrangeiros vinham para cá trabalhar nas paróquias com a incumbência de fortalecer rituais e sacramentos da Igreja, como o batismo e o casamento, além de procurar reforçar a importância dos clérigos na Igreja.
Ao tentar consolidar as cerimônias oficiais, a Igreja combatia as crenças populares: objetos e rezas que protegiam contra o mau-olhado, feitiço e doenças graves, imagens milagrosas, etc. Também combatia os beatos, lideranças religiosas leigas que vagavam pelos campos e cidades pregando o Evangelho. Diferentemente do catolicismo praticado pela Igreja, com regras e uma rotina de cerimônias, os beatos pregavam uma fé espontânea, muito próxima do cristianismo primitivo e longe do controle dos clérigos.
O choque do beato Antônio Conselheiro com a Igreja expressava este conflito entre a religiosidade oficial e a religiosidade popular. Os sertanejos que se reuniam em torno do beato viam nas pregações que ele fazia a possibilidade de um mundo novo, onde a vida cotidiana e a religião eram coisas inseparáveis. Para a Igreja, essa religiosidade independente era uma ameaça que devia ser combatida.
A formação de Canudos
No ano d 1893, Antônio Conselheiro e seu grupo resolveram fundar um povoado comunitário. O local escolhido foi a fazenda Canudos, às margens do Rio Vaza Barris, no norte da Bahia. Conselheiro e seu grupo batizaram o povoado com o nome de Belo Monte.
Em Canudos, os conselheiristas organizaram uma economia de base comunitária, em que todos deveriam trabalhar para o sustento do grupo. No arraial havia professores, artesãos, enfermeiros e até negociantes prósperos, que mantinham relações comerciais regulares com vilas e cidades da região.
A comunidade religiosa de Canudos era independente das regras da Igreja Católica e do poder dos coronéis. Canudos tinha polícia e presídios próprios e lá a palavra do beato tinha mais força que a dos bispos e padres.
A guerra contra Canudos
Canudos se tornou uma ameaça pública ao poder dos coronéis e da Igreja Católica, que perdiam mão de obra e fiéis nas missas. O governo da Bahia, apoiado pelos latifundiários, aguardava o momento certo para invadir o arraial. A oportunidade surgiu com os boatos de que os moradores de Canudos pretendiam atacar a cidade baiana de Juazeiro, irritados com o atraso na entrega de uma encomenda de madeira comprada de um comerciante local.
Embora o ataque a Juazeiro não tenha ocorrido, em 1896 o governo baiano e o federal iniciaram a campanha militar contra Canudos. As três primeiras expedições, apesar da superioridade bélica do Exército republicano, foram derrotadas pelas forças conselheiristas.
Canudos virou notícia em todo o Brasil. Nos jornais, Conselheiro era acusado de monarquista, louco e inimigo da república. A imprensa cumpria o seu papel na defesa do regime.
A quarta expedição, dirigida pelo general Artur Oscar, reuniu quase 10 mil soldados, armados de fuzis e canhões modernos. Os combates duraram cerca de quatro meses e terminaram com a invasão e a destruição completa do arraial, em 5 de outubro de 1897. Como exigiu o presidente Prudente de Moraes, não restou “pedra sobre pedra”.
O futuro dos sobreviventes
A campanha de destruição dos conselheiristas continuou após a queda arraial. Relatos de civis que acompanhavam os combates contam que muitos prisioneiros eram degolados pelo Exército por se recusarem a render homenagens à República; seus cadáveres eram empilhados e queimados.
Os relatos mais chocantes dizem respeito ao futuro das crianças. A maior parte delas sofria de inanição e apresentava vários ferimentos devido ao longo conflito. Muitas delas, que tinham ainda pais e mães vivos, foram dadas aos participantes da campanha. Outras foram distribuídas entre comerciantes locais. A grande maioria, órfã de pai e mãe, perdia também o vínculo com o passado.
A industrialização e o crescimento das cidades
Brava gente!
A população brasileira teve um enorme acréscimo no final do período monárquico e no início da República. O principal motivo desse aumento populacional foi a entrada de imigrante, a maior parte deles europeus. Eles saíram de áreas rurais de países como Itália, Espanha e Portugal.
Jovens e sem qualificação, esses trabalhadores dirigiam-se principalmente às áreas cafeeiras dos atuais estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Muitos imigrantes também, especialmente alemães e italianos, instalaram-se no sul do Brasil, onde se dedicaram ao cultivo de pequenas lavouras e à criação de animais.
A partir de 1880 chegaram os primeiros imigrantes sírios e libaneses. Até 1940, 100 mil pessoas desse grupo entraram no Brasil, instalando-se principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde se dedicaram em especial ao comércio.
Em 1908, com a chegada do navio a vapor Kasato Maru ao porto de Santos, no estado de São Paulo, teve início a imigração japonesa. Dessa data até 1930, aproximadamente 180 mil japoneses vieram para o vieram para o Brasil, a maior parte para trabalhar nas fazendas de café do interior paulista e do norte do Paraná.
Porém, passado algum tempo, muitos imigrantes que se dirigiram aos cafezais sentiram-se descontentes com as condições de trabalho nas fazendas. Em virtude disso, muitos deles optaram por abandoná-las e partir em direção às cidades, em busca de melhores oportunidades.
Investimentos nas cidades
Muitos cafeicultores tinham também negócios nas cidades. Em parceria com o estado e investidores estrangeiros, desenvolveram uma infra estrutura para o escoamento do café que incluía ferrovias, portos, bancos, estradas e produção de energia elétrica.
Essas iniciativas dos investidores serviram para atrair os imigrantes em direção às cidades, onde estavam sendo criadas várias oportunidades de trabalho:
- Na construção civil. A instalação de novas indústrias , estabelecimentos comerciais e habitações operárias abriu espaço para a contratação de pedreiros, carpinteiros, marceneiros, serventes de obras, entre outros profissionais do setor.
- No setor portuário. Novos investimentos provocados pelas exportações de café desenvolviam e modernizavam os portos, empregando um número maior de estivadores nas cidades litorâneas como Santos, no estado de São Paulo, e Rio de Janeiro, a capital da nascente República.
- Na indústria de bens de consumo doméstico. O rápido crescimento das cidades incentivou o desenvolvimento de todo um setor industrial voltado ao consumo da população urbana: vestuário, alimentação, artigos de higiene, etc.
- Nos transportes urbanos. O desenvolvimento industrial e comercial promoveu a circulação de pessoas por distâncias cada vez maiores, o que estimulou a instalação de trilhos e rede elétrica para as linhas de bondes que começavam a se expandir.
O crescimento da população foi sentido principalmente nas cidades. Esses investimentos e oportunidades atraíram para o Brasil por volta de 2,5 milhões de estrangeiros, entre 1890 e 1920.
Os cortiços e as vilas operárias
Constantemente endividados devido ao alto preço dos aluguéis, os trabalhadores das maiores cidades na época, como São Paulo e Rio de Janeiro, viviam em moradias precárias, sem condições de higiene, em ambientes favoráveis à proliferação de epidemias. Uma dessas moradias era o cortiço, um tipo de habitação onde vivem várias famílias.
Preocupados, os inspetores sanitários recomendavam, muitas vezes, a demolição dessas moradias nas áreas centrais das cidades. Com isso, as autoridades procuravam manter os trabalhadores pobres longe dessas áreas, consideradas vitrines das cidades.
Por outro lado, a construção de vilas operária, a maior parte delas em áreas distantes das regiões centrais, representou uma iniciativa dos patrões no sentido de conservar a mão de obra das fábricas, mantendo o trabalhador sob controle, produtivo e comportado.
O movimento operário na Primeira República
A nascente república foi marcada pela organização dos trabalhadores e por momentos de forte mobilização coletiva
A vida nas fábricas
As condições de vida dos trabalhadores no interior das fábricas eram muito difíceis. As jornadas de trabalho se estendiam por até 16 horas e os salários eram baixos. Não havia regulamentação das condições de higiene e segurança nos ambientes de trabalho, o que tornava comuns os acidentes e as doenças O interior das fábricas era insalubre, com iluminação e ventilação inadequadas.
Não existiam políticas sociais de assistência ao trabalhador, como licença saúde, licença maternidade, férias remuneradas ou seguro desemprego. Em caso de desemprego, doença ou invalidez, o trabalhador que não contribuísse com algum fundo de assistência tinha sua sobrevivência seriamente ameaçada.
Os melhores salários eram pagos aos trabalhadores mais qualificados. No setor metalúrgico, por exemplo, fundidores, caldeireiros e mecânicos eram mais bem pagos. As mulheres e as crianças, por sua vez, trabalhavam principalmente no setor têxtil, onde a exigência por mão de obra qualificada era menor. Em 1920, a participação das mulheres nas indústrias de tecidos chegava a 58% do total de empregados no setor.
Os estrangeiros, principalmente italianos e espanhóis, representavam uma importante parcela do conjunto dos trabalhadores da indústria, em particular na cidade de São Paulo.
O início da organização operária
A saída encontrada pelos trabalhadores para conquistar melhores condições de vida e de salários foi a organização sindical. As primeiras formas de organização operária surgiram na metade do século XIX, com a criação das sociedades beneficentes. Nessas sociedades, os operários se auxiliavam em caso de alguma doença, de incapacitação para o trabalho por causa de acidentes, além de custear despesas em caso de desemprego, funeral, etc.
No Brasil, os sindicatos surgiram no início do século XX. Nos sindicatos, também chamados sociedades de resistência, os trabalhadores organizavam as lutas pela redução das jornadas e pela melhoria das condições de trabalho, pelo aumento dos salários e pela definição das formas de pagamento.
Os representantes dos trabalhadores
As principais correntes que representavam os trabalhadores urbanos eram os reformistas, os revolucionários e os militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB)
- Sindicalistas reformistas. Consideravam a greve o último recurso, após encerradas todas as possibilidades de negociação com os patrões. Aceitavam a participação política, chegando a lançar candidatos operários às eleições.
- Sindicalistas revolucionários. Para eles, a greve era a principal forma de lutar dos trabalhadores. Recusavam as negociações por conquistas parciais e a organização partidária. Influenciados pelos anarquistas italianos, acreditavam em uma sociedade futura sem a opressão dos patrões. Os sindicatos revolucionários ficaram conhecidos como anarco-sindicalistas.
- Partido Comunista do Brasil. Os membros do PCB, fundado em 1922, aceitavam participar das eleições como forma de divulgar suas propostas. Consideravam as greves um instrumento para a obtenção de conquistas e aceitavam participar das negociações com os patrões.
Durante a Primeira República, o sindicalismo revolucionário foi a influência mais determinante no movimento operário, quer pela ação direta nos enfrentamentos com os patrões, quer pelo esforço sistemático de divulgação, por meio de jornais, de suas ideias e formas de luta junto ao operariado.
As primeiras lutas e conquistas operárias
As primeiras grandes mobilizações operárias da nascente indústria brasileira ocorreram em 1903, na indústria têxtil do Rio de Janeiro. Ferozmente reprimida pela polícia, nenhuma das reivindicações, inclusive a jornada de oito horas, foi atendida.
Em 1907, ocorreram novas paralisações, dessa vez em São Paulo, Santos, Ribeirão Preto e Campinas, envolvendo trabalhadores da construção civil, metalúrgica, indústria de alimentos, gráficos e têxteis.
Os patrões reagiram às mobilizações dos trabalhadores aprovando a lei de expulsão dos estrangeiros. Ao entrar em vigor, em 1907, foram expulsos 132 estrangeiros, principalmente italianos, todos líderes sindicais. Até 1921, período de vigência da lei, foram expulsos 556 estrangeiros.
Apesar da forte repressão, as manifestações dos trabalhadores começaram a dar resultado: o Estado reconheceu a necessidade de construir moradias populares e regulamentar as condições de higiene e segurança no interior das fábricas; foram criadas caixas de aposentadorias e pensões para os ferroviários. A lei de férias para os trabalhadores da indústria e do comércio foi regulamentada em 1926.
Reformas e revoltas na capital
As autoridades da República não hesitaram em usar a violência para fazer do Rio de Janeiro uma cidade moderna
Uma cidade de aparência européia
O centro do Rio de Janeiro, no início do século XX, sofreu transformações que alteraram completamente a fisionomia da cidade. A Avenida Central tornou-se um cartão postal que copiava Paris, a capital francesa. A cidade havia sido reurbanizada e o seu centro era a vitrine que demonstrava, aos olhos estrangeiros, que o país havia assimilado por completo os padrões estéticos europeus.
As fachadas dos prédios da avenida ostentavam mármore e cristal entre os seus materiais e a eletricidade iluminava as ruas e as lojas de artigos finos e importados. No carnaval, a avenida era tomada pelos carros abertos, onde desfilavam pierrôs e colombinas, à moda do carnaval da cidade de Veneza, na Itália.
O lado brasileiro da cidade
Mas o centro do Rio de Janeiro não foi sempre assim. Antes disso, até o final do século XIX, a Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco) não existia. Em seu lugar havia antigos casarões do período imperial, lembranças do tempo em que o Brasil era governado por D. Pedro II.
Nesses antigos casarões vivia, amontoada em cômodos de aluguel, uma população formada principalmente por ex-escravos e seus descendentes, exercendo ocupações precárias e temporárias, além de trabalhos relacionados ao transporte de mercadorias no porto.
A presença dessa população pobre no centro da cidade, numa ocupação densa e desordenada, combinada às precárias condições sanitárias, fazia com que fossem comuns as epidemias. Entre elas, as mais recorrentes e preocupantes para as autoridades sanitárias eram a febre amarela e a varíola.
A reforma urbana
Na intenção de fazer do Rio de Janeiro uma cópia das cidades europeias, o presidente da República Rodrigo Rodrigues Alves autorizou o prefeito Pereira Passos a promover uma reforma urbana. Por meio dela, os casarões imperiais foram demolidos e ruas foram alargadas, a fim de facilitar a circulação de mercadorias do porto às linhas férreas.
Expulsa por essas demolições, a população mais pobre foi obrigada a montar barracos nos morros próximos ou deslocar-se para áreas distantes do centro, conhecidas como os subúrbios da Estrada de Ferro Central do Brasil.
A reforma sanitária
Enquanto prosseguia a reforma urbana, expulsando a população pobre da região central da cidade, as autoridades decidiram promover a campanha de erradicação da varíola. Para isso, foram criados batalhões de agentes sanitários que visitavam as casas, vacinavam as pessoas e faziam vistorias. Caso constatassem risco sanitário, determinavam a demolição do imóvel, sem necessidade de indenização.
Essas medidas de higiene entravam em conflito com os proprietários dos estabelecimentos sujeitos à fiscalização e também com a população pobre, que tinha suas casas invadidas por funcionários da saúde pública.
A reação popular: a Revolta da Vacina
Em 1904, diante de tantas invasões domiciliares e demolições de moradias, a população que se apertava nos cortiços do centro da cidade e nos barracos dos morros reagiu.
Essa reação, que ficou conhecida como Revolta da Vacina, consistiu em violentos choques nas ruas entre as autoridades e a população. Usando como armas ferramentas e materiais e construção, a população enfrentou, durante dez dias de combate, a polícia, a Guarda Nacional, os bombeiros, tropas do Exército e da Marinha. A revolta só foi sufocada com o auxílio de forças militares de São Paulo e Minas Gerais.
A resposta a esse movimento popular foi violenta: os participantes da revolta que não tinham como comprovar emprego e residência fixos foram conduzidos ao presídio na ilha das Cobras, onde foram sistematicamente espancados. Depois disso, foram enviados à Amazônia, onde desapareceram.
A nascente república estava longe da democracia.